Nesta quarta-feira, 12, a Câmara dos Deputados aprovou, a tramitação em regime de urgência do projeto de lei, o PL 1904/24, que equipara aborto acima de 22 semanas a homicídio simples. O tema já vinha gerando debate há algumas semanas, no entanto, com a aprovação da tramitação, o projeto pode ser votado a qualquer momento, o que mudaria drasticamente uma legislação que já é pouco abrangente e ignora uma questão de saúde pública, tratando-a como criminal e até mesmo religiosa.
Segundo dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), ferramenta de dados do Sistema Único de Saúde (SUS), por dia, 1.043 adolescentes se tornam mães no Brasil, o que significa que, a cada hora nascem 44 bebês cujas mães não completaram a maioridade. Ainda segundo levantamentos do SUS, mais de 17 mil garotas de até 14 anos foram mães apenas em 2021. Vale lembrar que, segundo a lei brasileira, sexo com menores de 14 anos é considerado estupro de vulnerável. Ou seja, não existe consentimento dentro desses casos.
O que diz a lei hoje
Atualmente, a lei permite a interrupção da gravidez em casos decorrentes de estupro - no qual, gestações em meninas de até 14 anos se enquadram -, quando há risco à vida da gestante ou quando há um diagnóstico de anencefalia ou incompatibilidade com a vida do feto, ou seja, casos em que não existe a possibilidade de sobrevivência após o parto.
A legislação brasileira em torno aborto foi criada há mais de 80 anos, dentro do Código Penal Brasileiro, de 1940, e tipifica qualquer outro caos de interrupção como crime, prevendo a prisão tanto de mulheres e médicos que realizem o procedimento. A pena, hoje, é prevista de um a três anos para a mulher e de um a quatro anos para o médico ou outra pessoa que provoque aborto.
O que é o PL 1904/24
O Projeto de Lei 1904/24 propõe acrescentar ao Código Penal artigos que equiparem o aborto após 22 semanas de gestação a homicídio simples, incluindo em casos onde a prática é legal, ou seja, também em casos de estupro. Ao alterar a legislação, uma vítima de estupro que opte por abortar pode ser condenada em até 20 anos de prisão.
Vale lembrar que, no Brasil, a condenação máxima destinada a alguém que comete o crime de estupro é de 10 anos, em casos nos quais a vítima seja adulta. No caso de vítimas menores de idade, a pena, chega, no máximo a 12 anos.
Logo, se aprovado o PL 1904/24, uma vítima de estupro que optar por interromper a gravidez corre o risco de ter uma pena maior que a de seu agressor.
O nosso posicionamento
Como organização que visa apoiar mulheres em situação de vulnerabilidade e combater às diversas violências de gênero, incluindo o assédio e importunação sexual, que podem levar a casos de abuso, a Cruzando Histórias é contra o PL 1904/24.
Mulheres já sofrem diariamente com a insegurança e a violação de seu direito de ir e vir, convivemos com o medo de sofrermos agressões sexuais, dentro e fora de casa, e contamos com poucos e, em alguns casos, nenhum, recursos relacionados à saúde reprodutiva.
Também sabemos o quanto o processo que se segue após uma violência sexual pode revitimizar quem já está lidando com um trauma, e obrigar que uma gestação provinda de uma violência seja mantida sob ameaça de uma pena maior do que a aplicada a quem comete tal agressão, vai contra o que acreditamos ser um direito básico das mulheres.
Temos consciência de que muitos casos de gravidez após estupro são vivenciados por meninas, muitas delas de 10, 12 ou 14 anos, e enxergamos que, além de uma violência à mulher, a punição pela interrupção de uma gestão provinda de estupro é também uma violência contra crianças.
Diariamente, treinamos pessoas para identificarem e combaterem casos de assédio e importunação sexual, logo, não há como termos qualquer posicionamento perante tal projeto de lei do que sermos abertamente contra o mesmo. Não acreditamos na punição de vítimas e muito menos em um projeto que visa nada mais do que ampliar o trauma e revitimizar quem já se encontra em uma posição vulnerável.
Há uma enquete no site da Câmara dos Deputados para averiguar a opinião popular sobre o tema. Nos posicionamos como "discordo totalmente". Acesse AQUI!
Quem propôs
Acreditamos que é necessário compreender quem atua em políticas que podem contribuir com ou ir contra os direitos das mulheres e, por essa razão, deixamos aqui quem foram os responsáveis por tal proposta, por partido e Estado:
PL: Carla Zambelli (SP), Delegado Paulo Bilynskyj (SP), Mario Frias (SP), Eduardo Bolsonaro (SP), Abilio Brunini (MT), Coronel Fernanda (MT), Delegado Ramagem (RJ), Bia Kicis (DF), Pastor Eurico (PE), Capitão Alden (BA), Julia Zanatta (SC), Nikolas Ferreira (MG), Junio Amaral (MG), Eli Borges (TO), Gilvan da Federal (ES), Filipe Martins (TO) e Bibo Nunes (RS).
MDB: Delegado Palumbo (SP), Simone Marquetto (SP), Renilce Nicodemos (PA) e Pezenti (SC).
União Brasil: Cristiane Lopes (RO) e Dayany Bittencourt (CE).
Republicanos: Ely Santos (SP) e Franciane Bayer (RS).
Partido Progressistas: Evair Vieira de Melo (ES) e Luiz Ovando (MS).
Outros partidos: Dr. Frederico (PRD/MG), Greyce Elias (Avante/MG), Lêda Borges (PSDB/GO) e Cezinha de Madureira (PSD/SP).
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